23.11.03

Estação Sé, desembarque pelo lado esquerdo

Estou em São Paulo mais uma vez, neste ano do senhor de 2003. É a quarta, pelos meus cálculos, e as três últimas foram a trabalho. Assim como nas últimas vezes, estou na casa do Giuliano, no final da Avenida Sumaré. Eu posso ficar em outros lugares em São Paulo, mas por um motivo ou outro eu quase sempre fico hospedado aqui. Acho que um dos motivos principais é que a casa do Giu não se parece com uma casa, mas com um programa de televisão, uma comédia de situações dessas que fazem os atores ganharem um milhão de dólares por semana. Aqui ninguém ganha nada a mais por isso, mas garanto que se tivesse uma câmera filmando, o material faria qualquer Friends por aí enrubescer de vergonha.

Aqui moram, hoje em dia, o Giu com sua irmã Graziela e sua mãe Stela. O Fabrizio, que morava aqui até recentemente, está morando com a namorada num apartamento próximo e aparece capítulo sim, capítulo não. Mas quando tem gente em casa, tem muito mais do que quatro pessoas. A quantidade de amigos que circula por aqui é imensa. Hoje mesmo, além de mim, está aqui o namorado da Gra, cujo nome eu ainda não decorei, uma prima e uma tia deles, mais o namorado da prima, que é um japonês. O Giu foi me buscar na estação do metrô com uma Ford Explorer preta, do Cabrita, que passou o final de semana.

Esse povo todo geralmente se concentra em um só cômodo da casa, que é justamente quando tinha que ter alguém filmando. Os diálogos e as situações aqui são surreais, é difícil acreditar que não tem uma câmera escondida em algum lugar, atrás do piano ou em cima da geladeira. Outra coisa que me faz sentir à vontade aqui é que a casa está sempre à vontade. Acho que as pessoas simplesmente admitiram que preferem não deixar tudo tão arrumadinho assim. Pra um bagunceiro nato como eu, é o paraíso. Todos os cômodos são aconchegantes e limpinhos, só que não rola aquele sentimento de que uma faxineira acabou de passar por aqui o tempo todo.

Outra novidade é que hoje eu finalmente terminei o American Gods, e emendei com o Coraline, que a Juliana me deu de presente às cinco da manhã - que foi a hora em que eu embarquei. Coraline é um livro infanto-juvenil do mesmo Neil Gaiman, sobre uma menina que mora numa casa muito louca onde tem uma porta mágica e pererei e pão doce. Até agora, tem se mostrado muito bom. Mas tem uma coisa do Neil Gaiman que está começando a me incomodar, aliás duas. A primeira é que toda vez que ele vai falar de um despertador digital, ele fala que "tal hora aparecia em números vermelhos na escuridão", ou alguma frase muito parecida. Isso está no prólogo de Kindly Ones, em alguns momentos do AG, e também neste livro. Acho que ele devia dispensar essa construção, a não ser que ele realmente acredite que quem lê os gibis não vai ler os livros.

A outra são as fotos que ele tira pra esses livros. A do Coraline é foda, ele está, como sempre, todo de preto, mas de braços cruzados, e no fundo tem uma fumaça verde. Nos gibis ele sempre aparecia meio distorcido, ou caricaturado, ou botava uma foto de um peixe. Nos livros parece que a editora está querendo passar a mensagem que o autor "é talentoso, inteligente e também é pintoso". Ou talvez seja o próprio, querendo fazer a patroa orgulhosa. O que eu sei é que é meio constrangedor, ver um cara que escreve tão bem tirando umas fotos dessas...

Apois hoje, como é de lei num domingo em São Paulo, eu vou me esforçar em comer tudo o que eu conseguir, e dormir cedo que amanhã tem trabalho...

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