3.4.04

Manutenção

Eu estava pensando outro dia sobre como eu me esforcei pra fugir de um emprego em um escritório, mas que eu inevitavelmente acabei me metendo num negócio que me faz passar o dia na frente do computador. Hoje em dia, é bem verdade que todo mundo passa o dia na frente do computador, a não ser que seja estudante, mecânico ou jardineiro. Que ser jardineiro é provavelmente melhor para o cérebro do cara que ser técnico de gravação, disso eu não tenho dúvida, mas acho que está meio tarde pra eu fazer um curso de jardinagem e me inserir no mercado.

Mas eu estava pensando isso porque eu preciso fazer uma série de alongamentos várias vezes ao dia pra evitar o desenvolvimento de lesões por esforço repetitivo e também crises de tendinite. Anos e anos tocando por aí, e nada me aconteceu, mas ao adentrar o mundo das gravações e das sessões intermináveis, a mão direita começou a reclamar. Com razão, eu também prefiro o meu baixo a um mouse, por mais bonitinho e raio lazer que ele seja.

Acho que isso tem a ver com aquela porção da sabedoria popular que diz que nossa maior virtude é também o nosso maior defeito. Feito o fato de eu ser um cara que gosto de ajudar, isso é uma virtude, mas o fato de eu não conseguir dizer não tão facilmente, não só é um defeito como me coloca em grandes maçadas. Então eu não quero me enquadrar num trabalho de escritório, e por isso tenho que encarar os horários loucos, as sessões e os discos que nunca acabam, e a incerteza quanto aos vencimentos no final do mês. Tem suas vantagens e suas desvantagens. Já a probabilidade de desenvolver a famosa LER, eu divido sem muita alegria com meus amigos de escritório pelo mundo afora.

Uma vez eu estava conversando com o Rick Nance, e ele me falou de um cara que ele conhecia que tocava Oboé. Eis que esse cidadão desenvolveu, em algum momento da vida, lesões devidas às longas horas de prática deste que é o mais neurotizante dos instrumentos da orquestra sinfônica. Ou então ele teve um acidente com a mão, e não estava podendo tocar. O que eu me lembro, e o que realmente importa, é que o cara poderia fazer fisioterapia e lentamente recuperar o pique, mas que ele estava extremamente feliz com uma aposentadoria por invalidez. Acho que ele encontrou uma saída confortável para as incertezas da vida no meio musical. E olha que nos Estados Unidos o cara ser músico de orquestra é uma grande pedida.

Eu não acho que eu vá ficar de saco cheio a ponto de dar um ninja desses. Mas tenho certeza de que preciso aprender a organizar a minha vida profissional pra não ficar maluco, nem endividado. Talvez isso seja melhor pra mim do que trabalhar num escritório, mas isso eu não vou saber agora. Coisa boa é que eu estou conseguindo liberar mais sábados pra ficar com a minha filha, que é o que eu vou fazer exatamente agora.

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