17.10.05

o de hoje

após um domingo da mais pura e honesta boréstia, com sessão de cinema exibindo “o destino de miguel” e um outro filme francês muito louco sobre um lobo gigante e um índio ninja, estamos de volta à estrada em direção a paris para a última etapa desta turnê. por lá vamos ao estúdio do dominique chalhoub refazer algumas vozes do coro da gravação do dvd, tocar no favela chic e também comprar algumas bugingangas na pigalle que ninguém é de ferro.

eu não faço a menor idéia de quem foi jean-baptiste pigalle, no jogo do bicho ou na história da república francesa tão povoada de nomes com hífem, mas foi este cidadão que deu nome a um dos mais interessantes bairros de paris. aos pés do monte chamado montmartre – homônimo daquela creperia ali no bairro de santana, perto do hiper – o bairro de pigalle é uma intermitência de lojas de instrumentos musicais, sex-shops e as famosas “casas da alegria”, de modo que lá, quem não é turista, é puta. aí você me pergunta “e os músicos?” e eu lhe respondo prontamente que músico é tudo puta mesmo.

da primeira vez que eu fui a esta tão nobre vizinhança, no viço dos meus dezessete anos, confesso que fiquei em dúvida sobre qual a melhor aplicação do meu dinheirinho, mas finalmente resolvi prezar pela higiene e pela saúde – minha e da minha companheira de antanho – e investi mesmo numa ponte schaller para o meu baixo giannini preto, e mais alguns presentes para os outros dreadful boys. assim tem sido desde então, todo o meu dinheiro em pigalle vai para as lojas de instrumentos mesmo, e não para as minhas sempre batalhadoras colegas de profissão.

outra vantagem de pigalle é que em 90% das lojas você é bem atendido, o que não acontece na maioria dos estabelecimentos comerciais, estações de metrô, cinemas, restaurantes, barraquinhas de cachorro quente, mercearias, armazéns, bancas de revista, bares, feirinhas de artesanato, igrejas, museus, demais sítios históricos, torre eiffel, barquinho do rio sena, pontos de ônibus, praças, canais, ruas, avenidas e calçadas de paris. em paris até o mendigo pede esmola com um ar blasé e reclama, ou porque a esmola não veio, ou porque veio pouca, e quando vem muita ele acha ruim porque não tá trocado.

na pigalle não, normalmente as pessoas atendem bem. com exceção de uma loja chamada “open tuning”, onde o cara é muito chato mesmo. ele é tão chato que eu ia comprar uma lap-steel que ele fabrica lá, e peguei um abuso tão grande que eu resolvi fazer uma igual. o cara que está trabalhando na loja só de instrumentos pra canhoto hoje em dia é chatinho pra caralho também. mas acho que são só esses dois. durante a turnê de verão deste ano eu também descobri uma outra rua no centro da cidade, sendo que se a pigalle concentra as atividades dos músicos populares, a rue de rome é o epicentro da atividade de música erudita da cidade.

nesta outra rua, luterista é bóia. pra você ter uma idéia, no brasil inteiro existe um só construtor e reparador especializado em contrabaixo acústico. na rue de rome tem dois, e mais quase tudo que você puder pensar. também é lá onde encontramos as lojas de partitura – categorizadas por formação musical, de modo que tem uma loja só de piano e canto, outra só para quarteto de cordas e grupos de câmara, outra só de partituras para orquestra e assim por diante – e uma excelente livraria de música, com um dono careca extremamente chato, como era de se esperar

o de ontem

da última ida à internet até agora eu já dirigi uns mil e quatrocentos quilômetros. a empresa que trabalha com os famosos furgões amarelos é sediada em lille, e lá mesmo me entregaram um, novinho em folha, pronto para ser nossa casinha durante alguns dias, como realmente tem sido até agora, pelo menos. o roteiro, portanto, foi o seguinte, de lille saímos eu, amarelo, pepê, o guachelo e o linns, em direção a paris para buscarmos marc, renata emília, ras guga e aninha. fizemo-lo após alguns breves engarrafamentos e voltas e mais voltas para descobrir a mão das ruas, porque quando você passa por elas andando qualquer mão é mão, mas com um furgão amarelo de dois metros e meio de altura fica mais difícil trabalhar com essa flexibilidade.

depois de paris, de onde saímos com um atraso impressionantemente pequeno, pegamos a A6 em direção a Lyon, e paramos em mais um etap hotel, próximo a dijon, numa daquelas cidades cujo nome eu vou inevitavelmente esquecer pra sempre. junto ao hotel tinha um armazém de construção, onde na manhã de sexta-feira eu fui procurar alguns apetrechos para recolocar a alma da rabeca em dó – porque renata no show usa duas rabecas, uma em mi em outra em dó – no lugar, pois a mesma caiu não sei quando, não sei onde mas mesmo assim isso é um problema.

apetrechos comprados, seguimos até st. chamond, que fica a uns cem quilômetros de lyon, e instalamo-nos no hotel ambassadeur, simples e decente, onde eu me absorvi durante a minha suposta hora de almoço na missão de recolocar a alma da rabeca no lugar. não consegui, mas pelo menos tirei a bicha lá de dentro e ela parou de chacoalhar. acontece que o luthier que construiu o instrumento deve ter usado cola pra fixar a alma no lugar, ao contrário de encaixar como é praxe. e como eu também ainda não tirei a minha carteira de consertador de rabeca, quem fez o filho que o carregue.

o show foi em um teatro cujo nome eu também não me lembro, mas fazia parte de um festival chamado rhinojazz, então em todo canto havia cartazes com um rinoceronte pintado de roxo, de azul, de verde, de modo que eu peguei um cartaz bacana desse pra enfeitar o quarto da minha filha. o som estava bom, e o show também foi muito bom. foi a primeira vez em que eu usei uma mesa dm-2000 da yamaha, que, apesar de ser muito melhor, em som e funcionalidade, do que os modelos mais baratos deste mesmo fabricante, ainda não é tão fácil de usar quanto as mesas da innovasom – que por ser uma marca francesa é bem comum de se encontrar por aqui.

depois do show, fomos dormir umas três horas pra pegar a estrada de novo e chegar no aeroporto de orly a tempo para o pessoal da banda pegar o vôo de volta. acabamos chegando com uma hora de antecedência, despachamos todo mundo, e em seguida eu e guga seguimos para orleans, onde guga ficou e de onde seguimos eu, silvério e banda com fabrice ao volante, pois eu mesmo já não aguentava dirigir mais nem um metro.

viemos para le mans, onde tocamos em um bar pequenino chamado “le passeport du couchon vert”, onde no lugar de um rinoceronte azul tínhamos porcos verdes por todo canto, mas nada que me apetecesse levar pra júlia. o show foi bem aconchegante com a platéia dançando forró cada um por si e dançando côco agarradinho, como é de praxe aqui na frança onde o povo não sabe nem pra onde vão as danças do vasto folclore brasileiro. depois do show, seguimos para esta casa onde me encontro, que é uma senhoríssima casa com vários quartos, uma televisão com uma tela gigante, um piano e uma piscina. onde eu vou jogar essa porra desse gato se ele continuar achando que a minha cama é também

12.10.05

en passant

depois do show do mellotrons lá na rua da moeda, estávamos eu e júlia conversando com tiago e gabi, e ela me lembrou que existem pessoas, entre estas ela mesma, que lêem o meu blog com alguma freqüência. outros amigos também comentam aqui e ali que acompanharam a outra turnê pelo blog e tal, e eu sempre me sinto em falta com essas pessoas, pois deveria e gostaria de escrever com uma regularidade maior.

como ainda não foi possível, nessa turnê que começou na sexta passada, atualizar as informações até agora, me sinto, no mínimo, na obrigação de narrar os acontecimentos desde então. alguns poderiam me acusar de só estar fazendo isso porque aqui em lille não se tem muito o que fazer, mas não é o caso. é bem verdade que se eu tivesse ocupado como na maior parte do tempo, eu não estaria sentado escrevendo calmamente e tudo mais, mas ninguém é perfeito, e a vida é assim.

então encontro-me novamente nas terras de asterix e obelix, desta feita cuidando dos botões de duas turnês concomitantemente. na verdade, eu cheguei antes e volto depois da banda de renata porque vim fazer outros shows com silvério pessoa e sua banda, a saber wilson farias, renatinho, iuri, andré julião e israel silva. gente boa, o pessoal. começamos chegando pelo aeroporto de orly, o do samba homônimo, e indo dormir num hotel tão perto do terminal que a televisão passava os horários de chegada e saída dos vôos, e o quarto ao lado do meu era um hangar de um bimotor. se algum dia você for dormir no hotel íbis do aeroporto de orly, evite o restaurante, que me rendeu a primeira noite mal-dormida da turnê.

dormimos perto assim do aeroporto pra pegar um vôo no dia seguinte pra córsega, onde fomos tocar em um teatro muito bacana em bastia, que seria a capital da córsega se a córsega fosse um território independente como eles mesmos querem. em bastia ficamos em um hotel muito legal no alto de uma montanha, com piscina e vista pro mar. quem abriu a noite foi cristina branco, uma portuguesa cantora de fado, cujo show não assistimos, infelizmente. o show de silvério foi muito bom, e o som também estava muito bacana.

Depois do show rolou a segunda noite mal-dormida da turnê, ou pouco dormida que seja, pois chegamos no hotel à uma da manhã pra sair às cinco para o aeroporto. chegamos em paris e eu nem parei no hotel, segui direto para o café de la danse, onde rolou o segundo show de silvério e o primeiro de renata, e também gravamos som e imagem para um dvd dos dois artistas, organizado pela outro brasil. do café eu mesmo só saí depois de uma da matina, mas os dois shows foram muito bons e o som também colaborou.

isso foi anteontem. ontem fomos exercer nosso lado madame e ir às compras em paris até a hora de pegar o carro e subir aqui pra lille, para onde viemos eu, amarelo, o guachelo paixão, hugo linns e pepê de cavaleiro. estamos hospedados na mesma maison folie onde começou a turnê de verão, e daqui saímos amanhã pra pegar o povo que ficou em paris, e também marc, que vai nos acompanhar até esse show em uma cidade perto de lyon, lá pros extremos orientais do país. fabras não vai conosco até lá porque foi pra orleans com a turma de silvério, onde eles ficam até sábado, e de onde seguimos para le mans.

sim, e hoje eu fui comprar uma tartaruga marinha pra minha filha, que afinal de contas é dia das crianças.

2.10.05

momento transicional

quem mora em várias casas na verdade não mora mesmo é em canto nenhum, como eu mesmo tenho constatado no último mês. é sem dúvida uma das maiores práticas do desapego material, mas também é um negócio que deixa o cara meio destrambelhado. por outro lado, eu também constatei no último mês que não ter um celular é realmente uma coisa maravilhosa pra mim, e terrível pra os que querem me encontrar, prometo assim a estes que me buscam que voltando desta nova viagem eu vou regularizar a minha situação junto à telecom italia mobile para retornar o mais ligado ao status de frequentemente atendido.

sexta-feira rolou um grande show dos mellotrons na rua da moeda, daqueles tão legais que deu problema e a turma não arredou o pé da frente do palco. seguiram-se a eles o vamoz! com um show bastante pressurizado também, mas eu arredei o pé da frente do palco pra ir dormir porque estava bastante derrubado de sono. como estou agora, após uma festa de criança com um camarada fantasiado de batman que fazia bichinhos com balões infláveis. sem dúvida é uma cena bastante intrigante.